terça-feira, 14 de maio de 2013

SOLENIDADE DE PENTECOSTES - Ano C

Pentecostes


No dia da vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, o calendário litúrgico judeu celebra o “Pentecostes” da festa das “Semanas”, que dura 50 dias. O último dia era chamado “Pentecostes”, com uma Liturgia caracterizada pela alegria e pela oferta dos primeiros frutos da terra a Deus. A celebração judaica das “Semanas” comemora o fim do êxodo e a realização da promessa divina, com a posse da terra. Na “Liturgia das Semanas”, as orações e as leituras bíblicas invocam a presença do Espírito de Deus na vida do povo e de cada fiel. Ezequiel, Jeremias, Joel... proclamam suas profecias nas assembléias litúrgicas das “Semanas” prometendo o derramamento do Espírito de Deus no meio do povo. A realização acontece na vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, reunidos no cenáculo (1ª leitura). A conseqüências do acolhimento do Espírito Santo na vida dos Apóstolos, por sua vez, favorece novos relacionamentos, compreensíveis em todas as línguas e culturas, condição para renovar a terra inteira pela valorização da vida, graças à presença do amor divino (salmo responsorial).

            A palavra central é “renovação”. Atualmente, muitos são os sinais que indicam desencantamento pela técnica, pelo lucro e pelo lazer. Pilares da sociedade atual, que colocam o homem e a mulher diante da escolha entre dois espíritos: o espírito mundano e o espírito divino. A escolha determinará qual espiritualidade conduzirá a vida; ou a espiritualidade mundana ou aquela evangélica. Ou se é discípulo do mundo ou discípulo do Evangelho. São Paulo adverte que existe uma incompatibilidade clara entre as duas espiritualidades; uma, aliás, elimina a outra (2ª leitura). Jesus traduz isso no ensinamento: “não podeis servir a dois senhores, porque ou amará a um e odiará ao outro” (Mt 6,24). A identidade e o perfil do discípulo de Jesus é formado em quem se deixa guiar pelo Espírito de Deus (2ª leitura), que habita o seu coração como “hóspede da alma” (Seqüência de Pentecostes). A presença do Espírito Santo na vida humana a distancia do pecado (da espiritualidade mundana) e a aproxima de Deus (da espiritualidade evangélica). É a dinâmica espiritual que forma o discípulo e discípula de Jesus.

            Não é uma dinâmica espiritual simples. Paulo fala de “combate espiritual” (Ef 6,10-18). O ingresso no discipulado do Evangelho não exime de um verdadeiro combate entre a espiritualidade mundana e a espiritualidade evangélica. Não se entra neste combate unicamente com as forças humanas, é preciso ter em si a força divina. Jesus sabia disso e indica o meio para vencer: a presença do Espírito de Deus no coração para caminhar nos caminhos do Evangelho. A presença do Espírito divino, que Jesus chama de “Consolador”, realiza-se pela observância da Palavra (Evangelho). Por observância entende-se o cultivo da Palavra do Evangelho no coração e na mente da pessoa, condição para ser fazer discípulo e discípula e permanecer em Deus. Jesus lembra também que o Evangelho ainda não é totalmente conhecido, de onde a necessidade do Espírito Santo para torná-lo cada vez mais conhecido e acolhido através do discipulado. A missão do Espírito Santo é ajudar o discípulo e discípula a se apropriarem cada vez mais profundamente do Evangelho (Evangelho), ajudando-os a serem homens e mulheres espirituais, isto é, guiados pelo Espírito Santo.

             O contexto orante proclama a presença do Espírito divino, que enche todo o universo com seu amor (antífona de entrada) e é capaz de tomar posse dos corações de quem acolhe a Palavra de Jesus (aclamação ao Evangelho) para proclamar as maravilhas divinas em toda a terra (antífona de comunhão).

            Rezar esta celebração é assumir atitude invocativa, para que o Espírito Santo venha e continue renovando sua Igreja, neste novo tempo, com a guia de Papa Francisco, enriquecendo-a com seus dons e carismas (oração do dia). É interceder o dom da Sabedoria, que ajuda a compreender o Mistério celebrado (sobre as oferendas), e invocar o crescimento espiritual de toda a Igreja, para que os dons e carismas se manifestem e renovem a humanidade inteira (depois da comunhão).

            O desejo de uma Igreja mais encarnada, que fale a linguagem do povo, que se envolva com as lutas do povo é muito antigo. Já tem história. Houve tempos que isso foi feito com verdadeiras batalhas, misturando interesses econômicos e políticos entre Estado e Igreja. Num tempo mais recente, especialmente na América Latina, a busca desse envolvimento aconteceu de modo ideológico, contribuindo para um certo descrédito da Teologia da Libertação, o que é lamentável. Ainda hoje não está bem claro se o motivo para protestar contra as injustiças sociais se fundamenta na fé ou se a fé é usada como motivação emocional para se fazer ouvir. Uma coisa é certa: os grandes movimentos religiosos, fundamentados na espiritualidade do discipulado, jamais se serviram da força que destrói porque foram e são conduzidos pela força construtiva do Espírito de Deus. A Beata Dulce, o Anjo Bom da Bahia, é um exemplo bem próximo de nós, brasileiros. Até mesmo as atividades pastorais precisam ser pensadas nesse contexto transformador a partir da espiritualidade evangélica, que forma a espiritualidade do discipulado. Organizar, por exemplo, uma Paróquia, com critérios empresariais, pode colocá-la mais próxima da espiritualidade mundana que daquela evangélica. Naquela pode funcionar bem e “dar lucro”... mas deixará de realizar sua missão evangelizadora se não for capaz de ajudar as pessoas e a comunidade a caminhar nos caminhos do Evangelho.  

            O que distingue a força transformadora social, a partir da religião e da fé, é a espiritualidade. Todos os grandes santos da Igreja, envolvidos em obras sociais, são exemplos vivos da força transformadora a partir da espiritualidade. Os profetas e o próprio Jesus foram capazes de provocar mudanças no povo, graças a sua espiritualidade. Os Apóstolos levaram o Evangelho até os confins do mundo e provocaram mudanças sociais em todas as culturas mundiais, graças à força de sua espiritualidade... da espiritualidade evangélica que os fez discípulos e discípulas. A espiritualidade evangélica não é passiva, mas ativa e revolucionária, porque provém da força do Consolador para não recuar, mas para enfrentar os desafios com a luz e a sabedoria do Evangelho. É o que Jesus chama de permanecer nele pela Palavra para conhecer, a partir do cotidiano e do contexto histórico o que o Evangelho diz, como o Evangelho ilumina uma situação (Evangelho).

            Hoje, se fala de espiritualidade mundana e até de espiritualidade do ateísmo. É possível uma espiritualidade sem Deus? Sim, porque existem espíritos que não são de Deus; são incompatíveis com o Espírito divino. A 2ª leitura sustenta essa possibilidade. A espiritualidade mundana, por exemplo, é animada pelo espírito da técnica, do lucro, do hedonismo... Compreende-se, desse modo, que a espiritualidade é a ação interior de um “espírito” que anima e move o homem e a mulher. Este espírito, sempre na teologia paulina (2L), poderá ser do mundo ou de Deus. É o Consolador prometido por Jesus que garante e sustenta a pessoa na escolha da espiritualidade evangélica. Com isso, podemos dizer também que é a espiritualidade que movimenta e promove as transformações sociais, em nível mais amplo, e aquelas comunitárias. Neste caso, quanto mais os cristãos forem discípulos e discípulas do Evangelho, mais a ação transformadora, a partir do Evangelho, estará acontecendo no meio do povo; mais estará crescendo a credibilidade social, maior será o testemunho evangelizador, principalmente no contexto da nova evangelização. O cultivo da espiritualidade cristã é o segredo da renovação pessoal e social. É o segredo da nova evangelização.
(Francisco Régis)

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