Mesmo
que a palavra “trindade” designe algo abstrato, o nosso Deus não é um conceito:
é um Deus de amor que se faz Criador, Salvador e Guia para a nossa felicidade.
A
reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio
Croire, comentando as leituras da Festa da Santíssima Trindade (26 de maio de
2013). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis
o texto.
Referências
bíblicas:
1ª
leitura: Provérbios 8,22-31
2ª
leitura: Romanos 5,1-5
Evangelho:
Jo 16,12-15
A
Sabedoria do começo
Não
passemos com pressa demais sobre a primeira leitura. Como o Novo Testamento vê
em Cristo a Sabedoria de Deus, ficamos sabendo que o Cristo está aí desde o
começo. Falo do Cristo sim: deste Cristo de sempre, que se tornou homem em
Jesus de Nazaré, quando “os tempos se cumpriram”. É este o Jesus dos nossos
evangelhos, de quem Paulo fala, em Colossenses 1,15-20: “Ele é a imagem do Deus
invisível (a visibilidade do invisível), primogênito de toda criatura; porque
nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra.” Paulo não fala somente
do Verbo, como no início do Prólogo de São João: para ele, é exatamente o
“Verbo encarnado” que está aí, muito antes do aparecimento do homem; a
Sabedoria do livro dos Provérbios é Ele, que está em ação em todas as coisas
para produzir a Imagem e Semelhança de que fala Gênesis 1. Esta expressão que
define o homem define em primeiro lugar o Filho, em quem Deus se conhece e se
reconhece. Com Jesus, revela-se à plena luz do dia o que está fora do tempo.
Nele, saído de si mesmo, Deus se revela: “generosidade expansiva”, conforme o
biblista Paul Beauchamp. Não que, além de Deus, haja mais esta generosidade.
Não. Ele é esta generosidade. “Deus é amor”. Existir, para Ele, consiste em se
dar este “face a face semelhante a si mesmo” e, no entanto, sendo outro. Outro
tirado de si mesmo (Gênesis 2,18 e 22-24). Isso é o que nos ensina a vinda de
Jesus. Ver: Tito 3,4 e 1Jo 1,1-4.
O
Espírito e a Sabedoria
Há
na Sabedoria “um Espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil...”
(Sabedoria 7,22). Este Espírito é “artífice de todas as coisas”. Mas, então,
quem é criador? O Pai, o Filho ou o Espírito? Digamos que quem cria é esta
troca, esta tríplice relação que “constitui” Deus. Nós fomos concebidos e
assumidos numa relação de procriação. Deus é procriador, procriado, procriação.
Foi preciso muita audácia aos primeiros cristãos para que cressem nisto e que o
dissessem, a partir do gesto de Jesus e do dom do Espírito. A imagem que
fazemos de Deus, do divino, transformou-se radicalmente. Não se pode mais dizer
simplesmente que Deus é Um; é preciso dizer que é “União”, conforme santo
Inácio de Antioquia que conclui que só existimos verdadeiramente como homens
fazendo-nos também “União”. Um só corpo. A “função” atribuída ao Espírito é de
ser a uma só vez o agente da comunhão entre o Pai e o Filho e quem dá ao Cristo
um corpo novo, corpo a uma só vez uno e múltiplo. O sopro de Deus, que é a sua
própria vida, expande-se e se comunica, fazendo-nos existir por participação
com a natureza divina (2 Pedro 1,4). O Sopro carrega a Palavra e a Palavra se
vê dar um corpo, o que vale para a Anunciação e, finalmente, para o
Pentecostes. Só podemos existir sendo assumidos no intercâmbio trinitário.
Um
programa para a humanidade
Temos,
pois, que voltar a nos ligar ao “divino” que se revela dom de si. Isso exige a
duração toda da nossa história: o que vale para cada um de nós e para a
humanidade inteira. Mas será preciso esperar até o “final dos tempos” para que
o Deus-União termine esta criação “à sua imagem”? De fato, entramos na comunhão
divina a cada vez que, com os outros, criamos ligações autênticas. Lembremos
este canto muito antigo: “Onde há a caridade e o amor, aí Deus está”, ou ainda
estas palavras de Jesus: “Quando dois ou três se reunirem em meu nome, eu
estarei no meio deles”. Ele está “no meio” para ser o “meio” no qual nos
encontramos. Não apenas o mediador, o que faz o traço de união, mas a própria
união; nele chegaremos a ela. Fazendo-nos irmãos, portanto, é que nos tornamos
Filhos. Entramos já, por certo, na eternidade de Deus, mas permanecemos no
tempo; nosso estatuto de irmãos e de filhos é para ser sempre reconquistado,
sem cessar, no decorrer dos eventos e encontros de nossas vidas. A Trindade,
que parece estar sempre tão acima de nós, tão distante, está, no entanto, bem
aqui, ao alcance de nossos corações e de nossas mãos. Vivemos tudo isto na
obscuridade da fé. Enquanto esperamos a plena revelação, busquemos viver e agir
em Cristo, Ele que é a visibilidade do Pai (Santo Irineu). E o Espírito é que
dá testemunho.
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