Entrevista
com Hans Küng
"Estou feliz, é a melhor escolha possível,
ele conhece e ama a vida simples, humilde, real, à externo ao sistema romano da
Cúria. Espero que ele aprove as reformas necessárias e uma reestruturação
radical da cúpula como primeiro sinal". O professor Hans Küng, teólogo
católico, exulta, parece falar de uma possível perestroika vaticana.
A reportagem é de Andrea Tarquini, publicada no jornal La
Repubblica, 14-03-2013.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor
Küng, o que o senhor diz a respeito?
Estou feliz. A escolha desse homem, justamente ele, surpreendentemente,
é uma verdadeira escolha de qualidade.
Isto é, ainda melhor do que os esperados papáveis reformadores?
Sim, insisto, é a melhor escolha. Primeiro, é um latino-americano, e
estou muito feliz com isso. Não só isso: é também um latino-americano de mente
aberta. É um jesuíta, que certamente dispõe de uma formação e preparação
teológicas muito sólidas. É um homem que sempre levou uma vida simples, não em
grandes e suntuosos palácios de poder. Um homem acostumado a andar entre os
fiéis, até mesmo de pés descalços, com o báculo de pastor. Ainda com os
primeiros gestos, deu conselhos e sinais: não pediu nem buscou aplausos
triunfais, nem palavras pomposas, mas sim a oração em silêncio.
Ou seja, também é um bom começo?
Ou seja, também é um bom começo?
Sim, justamente, um começo de sucesso com sinais certos. E, por fim, mas
não por último, acho significativa a escolha do nome: Francisco.
Pois bem, como o senhor a interpreta?
Um cardeal que, no mundo de hoje e com o pano de fundo da grave crise da
Igreja, escolhe não nomes que remetem aos seus antecessores recentes, mas sim
justamente esse nome sabe exatamente que se remete e se referem a São Francisco de Assis. Francisco de Assis foi a alternativa ao programa da Igreja vista e
vivida como poder. Foi a antítese do maior e mais importante papa de poder
da Idade Média, Inocêncio III, que encarnava a Igreja
do poder: Francisco viveu e testemunhou a Igreja das pessoas simples, dos
pobres, dos modestos. Eu só espero que Francisco possa realmente realizar na Igreja
e na relação entre a Igreja e o mundo tudo o que certamente ele se propõe a
fazer.
Portanto, ele não é o candidato da Cúria?
Certamente não, mas sim candidato das vozes progressistas da Igreja,
incluindo os progressistas entre os cardeais alemães.
O que isso significa para a Igreja na sua profunda crise?
É a pergunta decisiva. A resposta depende de se e como ele poderá lançar
as reformas. Se e como as reformas necessárias e não feitas, que se acumularam
na Igreja de hoje, serão realizadas e se imporão, ou se, ao invés, tudo
continuará como até agora. Se o novo papa as realizar, ele encontrará um monte
de apoio, muito além do âmbito da Igreja Católica e dos fiéis. Caso contrário,
o grito "indignai-vos!" vai se espalhar até dentro da Igreja e imporá
reformas de baixo. Eu defendo as reformas guiadas de cima, mas agora a escolha
está realmente nas suas mãos. A comunidade da Igreja não se contentará mais com
belas palavras. A paciência de muitos católicos está no fim.
O que a sua biografia permite prever?
Ela dá espaços de esperança. Eu não escondo o fato de que ele viveu no
tempo da ditadura militar argentina. Certamente não foi fácil, assim como não
foi fácil viver dignamente como fiéis na Alemanha sob o nazismo. Muitas vezes
ele foi criticado, mas certamente se explicará. O ponto não é esse. A
pergunta-chave é o que ele fará pela Igreja e pelo mundo. Se ele realmente tem
o espírito ecumênico e envolverá as outras Igrejas. Se ele reabrir as janelas
que o seu antecessor fechou, se voltar à linha de João XXIII, então
realmente será Francisco.
Quais poderiam ser os seus melhores primeiros sinais?
Como primeiro sinal, poderia escolher como secretário de Estado não um
representante do sistema romano, mas sim uma pessoa pronta para as reformas e
de espírito ecumênico: não precisa ser um cardeal, mas deve estar pronto para
realizar a reforma da Cúria. Espero que não sejam assumidos compromissos com o
partido da Cúria, do tipo "você é o papa, mas a Cúria continua nas nossas
mãos".
Considerando, também, a velocidade da eleição, esse perigo é muito grande?
Eu não faço especulações. Eu indico cinco pontos. Primeiro, o secretário
de Estado, justamente. Segundo, o novo papa deveria substituir e não confirmar
os responsáveis dos dicastérios vaticanos. E escolher personalidades
competentes, até mesmo externas do Colégio dos Cardeais. Terceiro,
deveria introduzir a colegialidade na Cúria, constituir um gabinete responsável
por escolhas coletivas. Quarto, deveria introduzir a colegialidade com os
bispos, reativar o Conselho dos Bispos como órgão de decisão e
não somente consultivo. Quinto, deveria vigiar para que dioceses, comunidades,
fiéis individuais tenham um direito de resistência e de crítica reconhecido.
Isso está em conformidade com o Evangelho. E os católicos de todo o mundo estão
insatisfeitos com esse atraso das reformas.
Esse é o ponto mais difícil?
Veremos se ele terá a força necessária. As reformas necessárias são
conhecidas: o papel da mulher, a encíclica Humanae Vitae,
portanto a contracepção, a ordenação de mulheres, o ecumenismo com as outras
Igrejas, a abertura da Igreja aos dramas do mundo, da moral sexual na África ao
restante.
O primeiro papa não europeu refortalecerá ou enfraquecerá a Igreja europeia em crise?
Ele só pode ajudá-la. Os problemas da Igreja, do celibato à crise das vocações, são problemas mundiais. Busquemos ser felizes pelo fato de um papa extraeuropeu abrir novas perspectivas.
O senhor irá buscar o diálogo e o encontro com ele?
Não é o mais importante. Ele deve se ocupar da Igreja.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518430-e-a-melhor-escolha-possivel-que-agora-ele-nao-aceite-compromissos-entrevista-com-hans-kueng
Sexta, 15 de março de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário