Como
podemos verificar se, como Igreja, nós já entramos na glória, na Ressurreição,
no tempo pascal? A resposta é simples: pelo Amor com A maiúsculo, dado
gratuitamente, generosamente, sem restrição alguma. Faz muito tempo que
repetimos esta frase do evangelho de São João: Amai-vos uns aos outros como eu
vos tenho amado! É um Amor gratuito, generoso, que deve contagiar o outro, os
outros. O Amor que se espalha, que se multiplica; o Amor que se transmite.
A
reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá,
publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 5º
Domingo de Páscoa (28 de abril de 2013). A tradução é do Cepat.
Eis
o texto.
Referências
bíblicas:
Segunda
leitura: Ap 21, 15a
Evangelho:
Jo 13, 31-33a.34-35
Nas
duas próximas semanas, nós voltaremos à noite da Quinta-feira Santa, quando
Jesus, no Evangelho de João, nos deixa seu testamento. Este se resume a uma
palavra: Amor! Esta semana, em Joliette, os padres tiveram uma jornada de
atualização com Jacky Stinchens, padre belga flamenco que mora há 30 anos em
Québec, e que nos disse que é na experiência humana, na carne, que acontece a
manifestação de Deus, a revelação de Deus... E cada experiência é única; ela
não pode ser imitada. Portanto, quando o Jesus de João nos diz: “Eu dou a vocês
um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês
devem se amar uns aos outros” (Jo 13, 34), isso quer dizer que nós devemos amar
não como Jesus amou, mas como cada um pode amar cada um do seu jeito, com o
mesmo objetivo que Jesus... Isto é, para que o Amor se espalhe. O “como” não é
comparativo; eu diria que é multiplicativo.
Alguém
me disse certo dia, após a celebração de um funeral: Raymond continue a amar
com compaixão; nós temos tanta necessidade disso. Isso me fez compreender o
sentido do evangelho de hoje: o Amor nos faz pequenos; ele ressuscita; ele dá a
vida; ele nos faz parecer com o Cristo da Páscoa e cria um mundo novo.
1.
O Amor ressuscita
No
evangelho de hoje, São João fala de glória: “Quando Judas Iscariotes saiu,
Jesus disse: ‘Agora o Filho do Homem foi glorificado nele. Deus o glorificará
em si mesmo e o glorificará logo’” (Jo 13, 31-32). O evangelista João dirige-se
à Igreja do final do século primeiro, uma comunidade de crentes que, apesar das
perseguições, já vive no mundo da glória, da ressurreição, o mundo novo
pós-Pascal, fundado sobre o Amor. Não é a realidade descrita pelo Apocalipse,
que nós também lemos hoje? “Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro
céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (Ap 21, 1). Isso torna
essa paisagem descrita pelo autor do livro do Apocalipse engraçada, mas ao
mesmo tempo, pode-se reconhecer aí uma paisagem pascal, pois sabemos que o mar,
na Bíblia, era o lugar da moradia das forças do mal; portanto, nesse mundo
novo, o mundo da Ressurreição, não há mais lugar para o mar, porque o mal foi
vencido. Mais ainda: nesse mundo novo não há mais sofrimentos e morte: “Ele vai
enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem luto,
nem grito, nem dor. Sim! As coisas antigas desapareceram” (Ap 21, 4).
2.
O Amor é contagiante
Como
podemos verificar se, como Igreja, nós já entramos na glória, na Ressurreição,
no tempo pascal? A resposta é simples: pelo Amor com um grande A, dado
gratuitamente, generosamente, sem restrição alguma. Faz muito tempo que
repetimos esta frase do evangelho de São João: Amai-vos uns aos outros como eu
vos tenho amado! É um Amor gratuito, generoso, que deve contagiar o outro, os
outros. O Amor que se espalha, que se multiplica; o Amor que se transmite.
Quanto
tempo perdido em ignorar, fingir, odiar, recusar, demonstrar indiferença, em
vez de amar, simplesmente, gratuitamente, sinceramente, honestamente,
generosamente, incondicionalmente. E, no entanto, a vida é tão curta! Recusar a
amar é, em primeiro lugar, a nós que faz mal: desenvolvemos o rancor, a
angústia, a amargura; vivemos cheios de pena, de angústia, de sofrimento, de
indiferença e de um mal-estar que pode afetar inclusive a nossa saúde
fisiológica e psicológica. Então, por que não amar verdadeiramente?
3.
O Amor é desinteressado
Nós
somos capazes de amar: um amor seletivo, interessado, calculado, controlado. Um
amor que é mais voltado para si mesmo que para os outros. Um amor que se detêm
nos nossos limites e nas nossas pobrezas. Mas o Amor evangélico, o Amor
cristão, não tem nenhum limite e exprime o que nós somos verdadeiramente: “Se
vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são
meus discípulos” (Jo 13, 35). O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Não é
pelo crucifixo que eles carregam no pescoço que nós reconheceremos os
discípulos de Cristo, mas pelo Amor que eles têm uns pelos outros”.
Recordemos
as três etapas do Amor apresentadas por Santo Agostinho, no século IV:
1)
Amar ser amado: Todo o mundo gosta disso; não há nada de particular ou de
extraordinário nisso. O Amor verdadeiro é, seguramente, mais que isso.
2)
Amar amar: Dois infinitivos... Isso já é melhor, mas é perigoso. Isso pode
tornar-se uma espécie de narcisismo demostrando um excesso de generosidade no
Amor.
3)
Amar: Amar simplesmente, sem mais; não para comprazer-se ou para fazer o bem...
Não! Amar simplesmente, por amor, sem esperar nada em troca.
Foi
desta maneira que Cristo nos amou: incondicionalmente, gratuitamente,
simplesmente. Não para comprazer-se ou para se mostrar. Não! Simplesmente por
Amor! Para encarnar esse Deus que não é senão Amor. E mesmo se o Amor o levou à
cruz, amou até o fim, sem exigir nada em troca do seu Amor. O evangelho não
diz: “Amem-me como eu amei vocês!”, mas: “Assim como eu amei vocês, vocês devem
se amar uns aos outros” (Jo 13, 34b). É o apogeu do Amor; é o Amor em sua
perfeição. É o Amor que nos faz parecer com Deus e que nos identifica com o
Cristo ressuscitado.
Finalmente,
por que São João disse que o mandamento do Amor de seu Evangelho é um
mandamento novo? Ouçamos Santo Agostinho nos dizer por quê: “Esse mandamento já
não existia na lei antiga, uma vez que está escrito: tu amarás teu próximo como
a ti mesmo? Por que, então, o Senhor chama novo um mandamento que tem evidência
tão antiga? É um mandamento novo porque, ao nos despojarmos do homem antigo,
ele nos reveste do homem novo? Certamente, o homem que escuta esse mandamento,
ou que a ele obedece, é renovado não por qualquer amor, mas por aquele que o
Senhor nos dá: Como eu amei vocês. É este Amor que nos renova pelo qual somos
os herdeiros da nova Aliança. Eis porque ele nos amou: para que nós, por sua
vez, nos amemos uns aos outros. Ele nos tornou capazes de nos amar, a fim de
que pelo Amor mútuo sejamos unidos entre nós e que, pela união muita suave que
liga seus membros, sejamos seu corpo, o corpo de uma só Cabeça, o Cristo da Páscoa”.
Eis
a glória de Deus! O Homem erguido! Somos capazes de amar como Cristo, cada qual
do seu jeito, mesmo se devemos pagar com a nossa própria vida...
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519616-o-amor
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