Vinho novo em odres velhos?
Sérgio Ricardo Coutinho, presidente do Centro de
Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA - Brasil) e professor
da História da Igreja, no Instituto São Boa ventura e de Formação Política e
Econômica do Brasil e de “Teoria Política” no Centro Universitário IESB, em Brasília,
comenta o tema central da Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB que se realiza em Aparecida.
Eis o artigo.
No último dia 10/04, os mais de 360
bispos, da maior Conferência Episcopal do mundo, deram início à sua 51ª
Assembleia Geral. O tema central deste ano é “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”.
Ao que tudo indica, os bispos
resolveram finalmente enfrentar um dos desafios propostos pela Vª Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano e caribenho, que se reuniu em
2007, em Aparecida (SP): a necessidade de conversão pastoral
(DA 370) e, consequentemente, de “abandonar as ultrapassadas estruturas que já
não favoreçam a transmissão da fé” (DA 365) para que a Igreja deixe de lado uma
pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. E uma
destas estruturas, já ultrapassadas, é a paróquia. Mas, pretendem os bispos
acabar com esta experiência, mais que milenar, ou vão tentar “salvá-la”
dando-lhe um rosto novo?
De fato, coincidentemente, esta AG
da CNBB acontece
em um clima de novidades e de até algumas “rupturas” que o mundo católico vem
acompanhando por meio dos gestos e palavras do novo papa
Francisco. Em sua Audiência Geral de 27/03, Francisco convocava
a Igreja para “abrir as portas” e sair ao “encontro dos outros” (ou como ele
insiste em dizer: “ir para as periferias da existência”) e lamentava a atual
situação da paróquia que nada tem de “missionária”: “que lástima, tantas
paróquias fechadas!”.
Será uma tarefa árdua para o
episcopado brasileiro durante estes dias de discussão, pois a paróquia é, como
bem observou o Pe. José Antônio Almeida, um dos fenômenos eclesiais
de longuíssima duração e que hoje apresenta uma série de dificuldades (“Paróquia, comunidade e pastoral urbana”, Paulinas,
2010).
De um ponto de vista
histórico-sociológico, hoje a paróquia continua sendo uma instituição típica de
Cristandade com seu caráter fortemente rural, onde ainda predomina, em muitos
lugares, a liderança autocrática, vivendo sob um modelo sociocultural
reacionário, de ação pastoral limitada e fechada sobre si mesma.
Além disso, é uma organização de
massa onde, nas missas, os fiéis estão um ao lado do outro, mas sem comunicação
entre si, não formando uma comunidade; desenvolve algumas atividades religiosas
e cultuais, mais para clientes (consumo de bens religiosos) que para fiéis
(comunidade de filhos e filhas de Deus).
Permanece vítima de seu caráter territorial
e alheia aos outros ambientes sociais. Perdeu mobilidade e acabou se
confundindo com a exterioridade física: a matriz, a casa paroquial, a
secretaria, as obras paroquiais. Por isso, reduzida a um gueto sacral e
administrativo, a paróquia se transformou num imóvel em que se prestam alguns
serviços advindo da demanda religiosa tradicional.
Sua prática mais constante não é o
testemunho/anúncio do Evangelho (martyría),
nem o serviço (diakonía), mas o culto (leitourghia).
Tem mantido e reforçado, ao longo dos séculos, o privilégio de celebrar os
sacramentos. Ela responde a um modelo sacral onde os lugares de culto são
evidentes: o templo, o altar, o sacrário, o batistério, o confessionário e, em
alguns lugares, o cemitério. Neste sentido, tudo gira em torno do pároco, que é
um “sacerdote”, isto é, um homem do culto. É responsável pela administração em
todos os sentidos e em toda abrangência. A paróquia, em última análise, é o
“senhor pároco”!
Também podemos dizer que a paróquia
tornou-se uma instituição econômico-financeira. O maior volume do financiamento
da Igreja passa pelas paróquias, desaguando, depois, nas dioceses e,
finalmente, na Santa Sé. Os recursos são muito mais voltados para financiar
suas atividades-meio que suas atividades-fim, sobretudo em relação à formação
de pessoas, à alavancagem das atividades pastorais e à missão.
Como já é tradicional nas preparações
de suas Assembleias anuais, o Secretariado-geral da CNBB organiza uma Comissão
do Tema-Central (formada por bispos e peritos) para a produção de um primeiro
texto para estudos e debates. Esta Comissão preparou um “texto-mártir” que foi
enviado a todos os bispos antes da Assembleia para que possam propor as
primeiras correções, emendas e supressões.
Solicitei também o mesmo a alguns
especialistas, que conheço, em sociologia, bíblia e pastoral que leram e
criticaram a 1ª versão do texto. O teor das observações feitas por estes revela
bem qual o tipo de proposta inicial de discussão do tema central desta Assembleia.
A palavra “nova” existe apenas no
título (“Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”). Na verdade o documento
apresenta sugestões para “salvar” a velha paróquia. A impressão que o documento
deixa sobre esta proposta de “comunidade de comunidades” é que se está
procurando reajustar um edifício que vai só cuidar das “rachaduras” e de
agregar-se novas salas ou corredores. Seria bom que os bispos lessem os últimos
trechos da homilia de Frei Cantalamessa na celebração da Sexta-feira da Paixão
durante a primeira Semana Santa do Papa Francisco.
Ora, o que hoje se propõe é que o
modelo paroquial não somente seja melhorado, senão radicalmente repensado na
linha da eclesiologia do Vaticano II. Seria necessário abandonar uma
perspectiva da paróquia como um edifício de múltiplos usos, com muitas novas
salas ou habitações conjugadas. Em vez disso, a paróquia deveria ser uma comunidade
itinerante, profética e missionária mais do que um edifício de culto e de
múltiplos serviços eclesiásticos.
O documento traduz uma mentalidade
clerical tanto em sua linguagem, quanto em seu esquema e na visão que apresenta
dos problemas e das soluções. Percebe-se uma ausência de contribuições e
análises vindas do laicato. Daí, uma ausência sistemática das CEBs.
Elas aparecem definidas, mas não explicitadas e surgem em meio aos movimentos
apostólicos, novas comunidades e grupos eclesiais.
Percebe-se também a ausência de uma
séria reflexão sobre o Presbítero necessário para coordenar esta paróquia
“renovada”. Que tipo de padres temos hoje? Que Presbítero hoje está capacitado
para esta paróquia “moderna”? Como lembrou, em um artigo, o Pe. José Comblin:
“que o clero atual não tem condições para aplicar esse programa”.
Pois bem, vamos acompanhar o
desenvolvimento deste importante evento eclesial e verificar qual será o
produto destes dias de trabalho colegial. Esperamos que o “magistério” do papa
Francisco seja levado a sério pelo episcopado brasileiro, caso os bispos
desejem que a Igreja no Brasil seja verdadeiramente missionária.
Leia mais no site: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519269-51o-ag-da-cnbb-vinho-novo-em-odres-velhos
Nenhum comentário:
Postar um comentário